segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Nossas Autorias #002 - O Conto da Solidão

 
 
Por Diego Oliveira
 
 
Este, é Martin Ibarra. Se sente cansado fisicamente. Na mente, não há nada. Já não há forças para pensar. Sua melancólica situação lhe minara todas as forças de intentar qualquer reação para sair deste estado, que muitos poderiam chamar de obscuro ou patético.
 
Martin, apesar de ser jovem, já não é mais escravo de seus devaneios. Só, em meio à multidão de vínculos sociais que o cerca, ele vem se dedicando à mesma arte de seu venerado mestre de ofício, que vivia a escrever seu eterno livro da solidão. Nunca o conhecera de fato, mas ao enveredar no rito da introspecção de seu isolamento, se viu assim: no vazio do nada.
 
Muitas pessoas não têm uma alma. E Martin faz coro a elas. E muito disso se deve ao seu ensaio ao autoconhecimento, ou a tentativa falida de fazê-lo. Nada lhe restou do vigor de seus tempos vindouros, onde vivia plenamente algumas muitas, mas não tantas experiências de vida. Amou, trabalhou, viajou, planejou o futuro. Mas sempre trazia consigo, ao falar, uma lágrima na voz, uma postura que teima em pedir perdão por existir e uma energia represada, como um grito represado. Já era o sinal de uma obscuridade que invadia seu ser, e que não tardaria em dominar sua vida.
 
Gradativamente, Martin foi sendo aplacado por cultivar sua solidão. Percebia que não agradava a ninguém, que não lograva a nada, que sua família lhe desconjurava o direito de ser um Ibarra, que seus amigos não o compreendia, que sua mulher não lhe concedia paixão e que nem seu cão lhe dignava um aceno de cauda. No silêncio e no invólucro de sua meditação, resolveu passar ao papel seus pensamentos, seus sentimentos e sua breve estória. Se um dia fosse descoberto, se tornaria mais uma lenda galega. Ou seria portenha? Martin Ibarra já nem sabia mais onde estava. Nada mais lhe interessava, tampouco saber onde fora parar.
 
Mas uma ilha deserta nem sempre é um exílio... Pode ser um passatempo... Em sua dor, Martin redigiu suas aflições em palavras que nunca se tinham visto nem ouvido! Comédias, horrores, maravilhas. Um verdadeiro vai e vem de ilusões, como mesmo descrevia. Agradeceu, perdoou, confessou e amaldiçoou tudo o que trazia consigo. Êxitos e frustrações passadas a limpo pelo crivo de teclas, tintas e papel.
 
Dizem que não comia, não mais dormia. Só se empenhava no rito eclesiástico de cingir sua retórica. E assim, foi deixando o tempo passar de forma branda, enquanto retratava sua miséria, pura e simples, mas humana. Se via num verdadeiro privilégio dos deuses, e ventura suprema dos homens.
 
Martin sentia ter evoluído da condição mortal, por deixar suas memórias impressas.
Em meio aos textos esparsos, fora definhando junto com sua vontade de viver. Lentamente sentiu que o sol da alvorada não lhe aquecia mais as faces, e que o vento noturno não lhe chamava ao agasalho.
Deixou se ir pelas sombras herméticas da escuridão. Esvaiu-se.
 
Cansado e na derradeira hora, Martin fez um esforço hercúleo e escreveu, à caneta, o que viria ser a primeira página, a fachada de seus escritos. Não tinha mais tempo. Não lhe fora permitido sequer pousar a caneta no papel. Também não terminou de intitular sua triste criação, que dizia: “A Solidão é Uma Merd...”

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