sábado, 18 de fevereiro de 2017

Nossas Autorias #012 - Genocídios Brasileiros: À La Carte ou Self-Service?


Revista O Cruzeiro, 1961 - Luiz Alfredo


Por Diego Oliveira


A história do mundo, nada mais é que a história da guerras. Os fatos históricos, que tanto se estudam nas aulas de história, dão conta de conflitos que se sucedem, cabendo a sobreposição de forças, sutilmente, forjar as hastes do futuro.

Muito se engana quem pensa que essa realidade passa longe do Brasil. A fama internacional de um povo pacífico e cordial, é mera balela para inglês ver. Haja visto, o exemplo da carnificina na Guerra do Paraguai, que dizimou 2/3 da população paraguaia da época.

Outro equívoco é citar que a última guerra travada pelo Brasil, foi a campanha expedicionária na 2ª Guerra Mundial. As 459 baixas oficiais, somadas aos mais de 22 mil combatentes, afetados seriamente no conflito, nada se compara aos genocídios com os quais os brasileiros convivem nesses tempos de "paz".

Uma série de estudos, chamado Mapa da Violência, de autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, com apoio da Unesco, do Instituto Ayrton Senna e da FLACSO (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), entre outras entidades, e, mais recentemente, publicados pelo Governo brasileiro, mostra que quase 1 milhão de pessoas foram mortas por arma de fogo, entre 1980 a 2014. Desses, mais de 830 mil pessoas foram vítimas de homicídios culposos.

Outra pesquisa feita em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, chamada de Atlas da Violência, cita mais de 59 mil homicídios só em 2014, colocando o Brasil no primeiro lugar do ranking mundial desse tipo de crime.

“Para situarmos o problema, estas mortes representam mais de 10% dos homicídios registrados no mundo e colocam o Brasil como o país com o maior número absoluto de homicídios”
 - Atlas da Violência 2016 (Ipea/FBSP)

O Brasil, sem conflitos religiosos ou étnicos, sem disputas territoriais, sem guerra civil, consegue a façanha de vitimar, por armas de fogo, mais cidadãos do que muitos dos conflitos armados contemporâneos, como as guerras na Chechênia, o da Síria, a Guerra do Golfo, as várias intifadas do Oriente Médio, as guerrilhas colombianas ou as da África, ou, ainda, uma longa série de outros conflitos armados acontecidos já no presente século.

Somem-se a isso: os 12 milhões de desempregados, as 15 milhões de crianças afetadas pela fome e pela extrema pobreza, os mais de 40 mil mortos por ano no trânsito, aos milhares que morrem por falta de atendimento nos hospitais, aos outros milhares que perecem por falta de saneamento básico, além das infindas mazelas sociais e teremos, nada mais, nada menos, que o retrato do genocídio contemporâneo brasileiro.

Não há de se colocar na conta desta barbárie social, as vidas que se perdem precocemente pelos vícios nocivos, pelos desastres naturais, acidentes aéreos, ou muito menos pelos péssimos hábitos de vida de grande parcela da população brasileira. 

O que se destaca, nestes números terríveis, é o caos social que impera no Brasil. Por mais que instituições renomadas mundialmente, como o Banco Mundial, destaque que o país tenha tido consideráveis avanços sociais nos últimos 20 anos, o volume da letalidade do Brasil à seu povo é algo sem precedentes na história.

A guerra que se trava no Brasil não é velada, pois os números e os fatos estão expostos para quem quiser ver. E os meios com os quais a população e o governo tentam combater tais genocídios, até agora, se mostram totalmente ineficazes. E não é raro que os cidadãos deste país não se indignem com este cenário: pois se tornou algo comum, cotidiano e irrelevante.

Esses genocídios, perfeitamente evitáveis, sequer são discutidos na sociedade, nas escolas, nas esferas governamentais, nos meios de comunicação, nos organismos internacionais, nas cortes judiciárias e nem mesmo nas nossas casas. Muitas ações políticas, sociais, militares e econômicas, ao longo de décadas, falharam em produzir a contenção ou a diminuição deste panorama lamacento e pavoroso em que o Brasil mergulhou.

Em 2013, a escritora e jornalista Daniela Arbex publicou um livro, Holocausto Brasileiro, que viraria um documentário homônimo produzido pela HBO em 2016. Premiada com um Prêmio Jabuti de Literatura, a obra mostra um dos muitos genocídios que o povo brasileiro sofreu ao longo de sua história. 60 mil brasileiros mortos dentro do Manicômio Colônia, em Barbacena (MG), entre as décadas de 1903 e 1980.



Título: Holocausto Brasileiro

Subtítulo: Vida, Genocídio e 60 Mil Mortes No Maior Hospício do Brasil

Autor: Daniela Arbex
Editora: Geração Editorial
ISBN: 9788581301570
Ano: 2013
Edição: 1
Número de páginas: 272
Acabamento: Brochura
Dimensões: 16 cm x 23 cm x 1 cm
Formato:  Médio
Assunto: História do Brasil / Livro-Reportagem / Lteratura Nacional

Peso: 0,440 Kg
Idioma: Português






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    http://www.saraiva.com.br/holocausto-brasileiro-vida-genocidio-e-60-mil-mortes-no-maior-hospicio-do-brasil-4896352.html?sku=4896352&force_redirect=1&PAC_ID=123134&gclid=CODwsdLMmtICFbEV0wodCuIM8g

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    Segundo o livro-reportagem, cerca de 70% das pessoas não tinham diagnóstico de doença mental. Ainda cita que o momento mais dramático se deu a partir de 1930, onde os critérios médicos desapareceram. Em 1969, com a ditadura, o caso foi blindado. Nos anos de chumbo, aquilo que foi criado para atender pessoas com deficiência mental, acabou sendo usado para colocar pessoas indesejadas socialmente, como gays, negros, prostitutas, alcoólatras, desempregados, militantes contrários ao regime militar e até mesmo, pessoas que litigiavam heranças de família.

    Além de transportados em vagões de cargas, segregados, torturados e mortos, as pessoas ainda tinham seus cadáveres vendidos e as ossadas comercializadas em faculdades de medicina (como a UFMG). A autora estima, em valores atuais, que só o comércio de ilegal de corpos tenha arrecadado R$ 600 mil, em valores atuais.

    Ninguém nunca foi punido pelo genocídio do Manicômio Colônia.

    Vejam que o holocausto de Barbacena, trazido à luz por Daniela Arbex, é apenas um dos muitos genocídios que passam silenciosos, impunes e irreparáveis pela história do Brasil. E pensar que, por exemplo, a ONU e a Corte Internacional de Justiça, em Haia, condenou genocidas internacionais por números de mortes ínfimos, ante Barbacena.

    O genocídio é um tipo de limpeza étnica. Mas podemos estender ao genocídio, a contenda da limpeza social. E isto claramente ocorre no Brasil, se acentuando, em volumes estratosféricos, nos últimos 50 anos.

    Esse é o triste cenário atual do país das bananas, ou dos bananas (como queiram), onde coxinhas e mortadelas disputam quem ladra mais alto, enquanto o salame adentra em seus próprios rabos.

    Muitos intelectuais ou pessoas "estudadas" de tais temas, podem contestar. Mas este é o verdadeiro golpe, que surra a cada dia o povo do brasileiro. E é curioso que seja um golpe do povo, pelo povo e para o povo. É diante deste golpe que, realmente, não se pode calar.

    O papel da literatura, do jornalismo, da educação e das artes, e de todos de uma maneira geral, também deve ser o de lutar e de empregar os seus recursos para combater tais genocídios, ao invés de realimentá-los.

    A perplexidade permanente do que se é capaz de fazer quando se detém algum poder, por menor que ele seja, torna o fato ainda mais grave. Governo e sociedade negligenciam o drama mais agudo de sua própria história.

    São vidas humanas perdidas, na mais banal das guerras: a da ignorância. Se toda guerra é burra, os genocídios brasileiros do cotidiano são ainda mais idiotas.


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