domingo, 20 de novembro de 2016

Nossas Autorias #010 - Uma Maneira de Superar o Bloqueio Literário: Escrever Sobre Ele

 
 
 
 
Por Diego Oliveira
 
 
Que o passado não volte a se repetir! Afinal, quem o quer, de fato? Talvez ansiamos rememorar só os
bons momentos, já os piores...
 
Que o passado não se repita! Sem dúvida, essa afirmação é para os que tem passado por uma situação
limite ou traumática, a melhor de todas as notícias, pois implica em uma espécie de liberação. Assim
como escrevia Frida Kalho em seu diário, antes de morrer, "Espero alegre a saída e espero não voltar
jamais".
 
Todo aquele que sofre, vê na comodidade da morte uma libertação. Mas o curioso é que nem sempre temos o ímpeto de que seja ceifada a vida. Seja por covardia, seja por coragem, deixamos de lado a funesta ideia de findar a existência, e lutar pela tal liberdade de que tanto queremos.
 
Assim deve ocorrer com a fera contida que habita nos escritores. E tenho certeza de que comigo não foi diferente.
 
Para ser bem honesto, além dos por quês que me assolavam a mente, meus dedos e meus olhos se saturaram com o fluir das ideias e com a organização de letras, sílabas, palavras, frases, orações e com tudo aquilo que compõe as histórias que queremos criar, desenvolver, contar e eternizar. A cada tentativa, as linhas iam se embaralhando, as letras bailavam displicentes e, de repente, monstros literários emergiam de um mar branco e infinito de cada página. É como se estar na tal cegueira branca, como definira brilhantemente o nobre Saramago. Se não este, qual o pior terror do escritor?
 
Sim, existe um outro bem pior: se distanciar das leituras. Não conseguir ler é excluir a entrada da
história que brotará amanhã ou que ficará para sempre na memória. É mais ou menos como aquela noite de temporal, brutal e incessante: começa bem discreta e tímida, mas quando nos damos conta, já se transformou em um hiato de choro celeste, como a intempérie da fantástica Macondo, de García Márquez.
 
Mas, de todo e para nossa sorte, as leis imutáveis decretam que, no universo, nada acaba, apenas se
transforma. Tudo é ciclo e tudo está em eterno e constante movimento.
 
Hoje, posso relatar a todos que não será uma causa orgânica, como uma inflamação no meu labirinto ou nas falanges metacarpianas, que me impedira de tingir de negro, a brancura do silêncio de páginas que nada dizem. Também não será as causas inorgânicas que farão o labirinto de muros se apossar desta mente inquieta.
 
A cada letra que nasce, serão gerados os átomos que romperão as barreiras do espaço-tempo. Serão ideias que protestarão, principalmente, contra a falta de tempo na correria cotidiana, ou contra a víbora da procrastinação. Será o exercício diário contra a divagação e distração midiática e o algoz implacável da dúvida sobre a originalidade textual.
 
Por definição, qualquer manifestação artística tem por dever, expressar a vida e a atividade humana. É a possibilidade de imprimir significado e significante aos símbolos de nossas percepções cognitivas
sobre o mundo e tudo aquilo que o transcende. E agora, tenho a plena convicção de que não há uma forma pior ou melhor de encarar a escrita, só precisa ter a vontade de fazê-la.
 
Por mais que um inveterado perfeccionismo se faça presente ante o resultado de uma composição, podemos nos permitir "criar lixos". E afinal de contas, quem, neste mundo, não produz lixo? E se o que estamos escrevendo é um tremendo lixo, sempre haverá tempo de embrulhá-lo e jogá-lo fora. Por mais que pareça uma frase de efeito pronta, pode ser um bom exercício, pois ao tentar, é que nos damos que escrever mal também é difícil. Mas também, isso nos trará a percepção de que não escrevemos tão mal assim.
 
Todavia, acerca de todo o processo que passei e que qualquer um que escreve está sujeito a passar, eu
posso me dignar a dizer que é algo que não tem medida, apesar de suas semelhanças entre os mais
diversos escritores. Principalmente nos que iniciam neste ofício, como eu ou como você que também
escreve. Chico Buarque observou bem, "o que não tem medida, nem nunca terá, o que não tem remédio, nem nunca terá, o que não tem receita".
 
Outro detalhe imprescindível é de que não basta apenas o ímpeto de exercitar as palavras. É necessário aprender sobre elas. Isso, por certo e por mais trabalhoso que pareça ser, pode acabar com a euforia de quem deseja escrever. Mas é primordial que aprendamos a não cuspir, ou vociferar a esmo, palavras e ideias. E sabemos que para toda arte, há técnicas. E ao estudarmos estas técnicas, podemos segui-las, ou até mesmo desenvolvê-las. É como se propuséssemos a nós, um jogo: escrever sob o jugo de qualquer regra, por mais estúpida que ela pareça.
 
Com a prática quando se tem um período de efervescência criativa, podemos aproveitar para propor
desafios de conexão e desconexão, a fim de distrair a massa pensante de nossas cacholas. E, por
consequência, se passa a investir uma fração do valoroso tempo, escrevendo, tomando notas e esboços de como todas aquelas ideais fluem incessantemente. Isso ajuda muito a superar os micro bloqueios, onde podemos recorrer a estes quando precisarmos, ou quando estiver faltando algo que buscamos desesperadamente para seguir em frente com o texto.
 
Se a morte é, para quem escreve, a falta de ideias, lhes digo que para a cada problema terrível, sempre
é possível criar uma bela solução criativa. Impasses, curvas, inícios, desfechos, personagens, enredos,
amarrações e até as dores físicas que sofremos, nada mais são que convites ao autoconhecimento, ao
trabalho e as reinvenções. Assim como se revisa um texto, nossos pensamentos, ações, práticas e
técnicas precisam de revisão. Talvez o lixo que produzimos só precise de uma reciclagem, então, por que não o reavaliar?
 
É certo de que as histórias não brotarão de uma mesa de trabalho, mas sim da vida. Viver, e estar no
constante limiar de sua manutenção e do seu desafio, é o mais próximo que se pode chegar do êxito. É como se o ato da escrita fosse a eterna trincheira da guerra cotidiana e obscura que temos de travar. O êxito da autenticidade, da originalidade genuína pode nunca chegar. Mas esta certeza é maravilhosa, pois nos aproxima dos seres imperfeitos que somos.
 
Contudo, sempre chego a mesma conclusão de que não somos nós, quem escolhem as palavras. São elas que nos escolhem. E como escolhidos, somos sempre salvos por elas!
 

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