terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Críticas e Resenhas #011 - David Copperfield, a Obra Prima de Charles Dickens


Nesta primeira resenha de 2017, vou compartilhar a grata surpresa que a história de David Copperfield me proporcionou. E também não é surpresa a ninguém que as histórias de órfãos têm funcionado muito bem ao longo de séculos de literatura.

Eu gosto, muitas vezes, de ler os clássicos. Graças a este bom hábito, de vez em quando eu me deparo com muitas jóias literárias, tão brilhantes que eu não hesitaria em recomendá-los a todos. Uma destas pedras preciosas é este livro, que é o mais famoso do autor inglês Charles Dickens.

Muitos elementos de sua narrativa se refere a própria vida deste autor, que sem dúvida é o maior escritor inglês de seu tempo (da Era Vitoriana), sendo David Copperfield  muito provavelmente, a mais autobiográfica de todas as suas obras. Além disso, o mesmo Dickens disse em um prefácio do romance:

 "... de todos os meus livros, este é o que eu gosto", "como muitos pais, um filho favorito, um filho que é minha fraqueza. Eu, tenho este filho, chamado David Copperfield "



Contextualizando:

Dickens nasceu em Landport, um distrito localizado perto do centro de Portsea Island, sudoeste da Inglaterra. A casa onde veio ao mundo, em 1812, na Old Commercial Road agora abriga um museu ao escritor: o Charles Dickens Birthplace Museum. O lugar, como a maioria das áreas residenciais da cidade, consiste em sobrados geminadas de estilo vitoriana, clima ameno, muito verde e o vento suave do Canal da Mancha.

O Charles Dickens Birthplace Museum - Divulgação - UK


Mas apesar da tranquilidade da terra natal de Dickens, o secular e sempre complexo Império Britânico vivia dias de radicalismo social, intolerância religiosa e agitação política, que se seguiu no pós guerras napoleônicas, tendo ainda a Revolução Industrial como pano de fundo e a pleno vapor.

Para se ter uma noção, meses após o nascimento de Charles Dickens, os britânicos registravam o assassinato de seu primeiro-ministro (o único na história do país a morrer desta maneira). A coroa britânica via seu rei à época, Jorge III, com 81 anos, à beira da morte. O país estava mergulhado no caos, nas mãos de impopulares regentes.

Mas bem longe da pompa da realeza, Dickens crescia em meio a uma infância terna, bucólica, mas não por menos, maravilhosa. Passava o tempo ao ar livre, brincava, lia vorazmente e de tudo: romances, aventuras, comédias e até contos eróticos. Ele manteve as memórias comoventes da infância, ajudado por uma excelente recordação das pessoas e eventos, que ele veio a usar na sua escrita. Sua família vivia de mudança, por conta do ofício de seu pai, que era caixeiro do escritório de pagamentos da Marinha Real.

Na adolescência, deixou a escola para trabalhar em fábricas e armazéns na luxuosa Londres do Séc. XIX, assim quando seu pai foi encarcerado em uma prisão civil, por dívidas. Essa experiência e as visitas ao pai, também serviram-lhe de inspiração em vários momentos de sua criação literária. Assim como sua ama, que cuidou de sua educação em uma escola, enquanto seu pai estava preso e ainda como as condições de trabalho árduas e muitas vezes duras cujos rigores ele acreditava ter sido injustamente suportado pelos pobres. Anos mais tarde ele escreveu que se perguntava "como eu poderia ter sido tão facilmente jogado fora em tal idade".


Charles Dickens aos 27 anos - Daniel Maclise / British Library's

Somente com a herança que receberá após a morte de sua bisavó, que seu pai, John, foi libertado. E mesmo após este feito, sua mãe, Elizabeth Dickens, não apoiou imediatamente a sua saída do insalubre trabalho nos armazém fabris. Isso influenciou o ponto de vista de Dickens sobre a família e o papel de seus membros. Sua falta de posição financeira ainda o atrapalhou nas investidas amorosas ao longo de sua juventude.

Apesar de sua falta de educação formal e de toda sua tragédia pessoal, ele conseguiu na juventude casar-se. Foi auxiliar de um escritório de advocacia e ainda trabalhou como repórter. Editou um diário semanal por 20 anos, escreveu 15 romances, cinco novelas, centenas de contos, outra centena de artigos de não-ficção, ministrou e executou extensivamente palestras no exterior, foi um incansável escritor de cartas e fez campanhas vigorosa pelos direitos das crianças, da educação e de outras reformas sociais.


Dickens no seu escritório - BBC



A Novela da Vida Real: David Copperfield:


Para criá-lo, Dickens trabalhou por dois anos, entre 1848 e 1850, onde planejou cuidadosamente o seu enredo e estrutura. Grande parte de todas suas obras (exceto para cinco delas), foram publicados em capítulos mensais, o que remete o leitor à uma época em que as novelas eram os folhetins literários.

Originalmente, é intitulado "A História Pessoal, Aventuras, Experiência e Observação de David Copperfield: o jovem de Blunderstone Rookery (que ele nunca quis publicar de maneira nenhuma)". Seria mais ou menos essa tradução do título.

E disso, já temos uma ideia de que se trata de uma longa leitura...

Vou tomar em conta uma edição muito bem produzida que vi em na Amazon.com, mas deixo claro que li este título no formato e-book (Kindle). Dependendo da edição, o livro terá entre 700 a 1400 (se houver ilustrações). Mas não se assustem, pois valem muito a pena! É o típico livro que me arrependi de não tomar nota de diversas frases e passagens, pois se encaixa em muitas momentos da minha vida.



Título: David Copperfield

Autor: Charles Dickens
Editora: Cosac & Naify
ISBN: 978-8540507869
Páginas: 1312
Edição: 1
Tipo de capa: Brochura 
Ano: 2014
Assunto: Literatura Estrangeira/ Romance / Bildungsroman
Idioma: Português 
Dimensões:  17,6 cm x 12,8 cm x 7 cm
Peso: 1 Kg




  • Recomendando, Nota:



  • Onde Comprar: https://www.amazon.com.br/dp/8540507862/


    O livro trata-se de um Bildungsroman (romance de formação), contado, quase que inteiramente, do ponto de vista de um narrador em primeira pessoa, o próprio David Copperfield. Foi o primeiro romance de Dickens em que se observa o emprego deste recurso.


    Do começo ao fim, o enredo se desenvolve em um tema principal: o disciplinamento da vida emocional e moral do herói do romance, desde seu nascimento até a sua morte e também daqueles que o rodeavam, de mocinhos a vilões. Os personagens do romance, em geral, pertencem a uma destas três categorias:


    1. aqueles com corações disciplinados, 
    2. aqueles que não têm um coração disciplinado, ou 
    3. aqueles que desenvolvem corações disciplinados ao longo do tempo. 


    Estes personagens e os acontecimentos são tecidos em comparação e contraste entre eles, sempre em termos de sabedoria e disciplina.

    Embora a premissa em se contar a biografia de um órfão seja triste, Dickens não dá a David Copperfield um aspecto engomado, vitimizante ou artificial, tornando desse romance o máximo desdobramento de seu gênio em ação. O ritmo intercala grandes alegrias e terríveis tristeza de sua vida.

    David Copperfield fala de valores como honra e os valores de seu tempo, assim como sentimentos profundos: a verdadeira amizade ou verdadeiro amor ou ódio (camuflado na falsa humildade), a malícia, a inveja ou orgulho. Além de tratar a morte de entes queridos, como elemento condicionante à perseverança, a olhar para a frente com a cabeça erguida.

    A primeira metade da história começa com a infância do pequeno Copperfield, na fictícia inglesa cidade de Blunderstone, do início do século XIX. Embora os lugares mencionados no livro existam na vida real, é inseguro dizer se Dickens posteriormente visitou a região de Yarmouth (uma cidade que ele menciona como vizinha a sua, e que também figura em grande parte no livro, como a casa da família de sua criada: uma doce e bonachona senhora chamada Peggotty).

    Ilustração de uma das muitas edições de David Copperfield e Emily, em Yarmouth - Divulgação


    Nesta etapa, muitos fatos tristes, mas reais da época, vão emergindo. A orfandade, a ganância de homens que viviam de explorar viúvas, a submissão, a rigidez dos costumes, o trabalho infantil, a vida de menores de rua, o emprego de agressões em métodos educacionais, dentre outros.

    A sucessão de tragédias, no entanto, só vão condicionando a grande determinação e o amor a vida de nosso herói mirim. Grandes amizades e gratas surpresas fazem florescer o encantamento e as esperanças de uma vida melhor. E Dickens vai descortinando cenários, hábitos, figurinos, sabores e personagens fascinantes desta Inglaterra, com primazia de detalhes.

    David, com sua dor, seus medos, sozinho e enfrentando a maldade das ruas, marcha para encontrar a único parente, sua tia: a excêntrica Betsey Trotwood, a mulher que foi a parteira de sua falecida mãe e que, de fato, trouxe David ao mundo.

    Ela aceita cuidar dele, apesar de frequentemente batalha para conseguir a custódia do garoto. A tia o renomeia como 'Trotwood Copperfield', encurtado depois para "Trot", e pelo resto da história ele é chamado por um nome ou outro.

    A segunda metade da história exibe Dickens no seu melhor. A base mais sólida do livro, considero que sejam seus personagens. Dickens tipicamente parece empregar caracteres estáticos para representar os elementos bons e maus da vida e da natureza de cada um deles. Cada personagem é dado a sua própria voz distintiva e imediatamente reconhecível. Alguns deles, até atemporais, incluindo o próprio Copperfield.

    À medida que a história avança, se torna mais densa e complexa. Com David Copperfield em sua juventude, estabelecendo-se nos negócios, apaixonando-se, rompendo amizades e viajando para o exterior. A linguagem vêm a tecer uma interessante teia ao seu redor e sua jornada, que liga o leitor a David.

    E no desfecho, Dickens desenha reveladoramente em suas próprias experiências para arrematar esta história com a mesma medida de tragédia e de comédia. As últimas cem páginas tornam-se um arrastar lírico em fechar as vidas de vários personagens junto com o protagonista e narrador, David Copperfield. Embora a conclusão seja satisfatória o suficiente. Não há dúvida David Copperfield é um dos melhores trabalhos de Charles Dickens.

    David e Agnes, seu grande amor. Trecho do filme homônimo, de 1999 - BBC Video


    Dickens é único, como diz a sinopse do livro, o autor é um gênero em si, não o que eu questiono. Nunca um escritor poderá fazer as pessoas rir ou chorar tanto como neste livro. Escrito com seu especial estilo florido e por vezes poético, a leitura deste livro é como estar em um barco no meio de uma tempestade de sentimentos, sem maniqueísmos. Assim que como me vi com o coração pesado pelos infortúnios de Copperfield, cheguei a rir em voz alta pelas ocorrências deste ou daquele personagem.

    Em suma, é um livro que deve ser lido e apreciado. Um daqueles que torná-lo um pouco mais sábio, um pouco mais feliz. As imagens descritas, chegam a dar vontade de ver um filme desta linda história. E até tem alguns, internet afora.

    Até a próxima, e bora ler meu povo!


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